A Palestina, especialmente Gaza, desde outubro de 2023: situação e medidas

Aqui apresento brevemente, desde outubro de 2023, a terrível situação de guerra em Gaza, que causou dezenas de milhares de mortos civis, e a situação de violação dos direitos humanos por Israel na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. Descrevo também as medidas tomadas pelos diferentes órgãos da ONU e reproduzo os principais textos adoptados, pois creio que a sua leitura ajuda a compreender a gravidade da situação. No entanto, a partir de 4 de julho de 2024, estas medidas foram totalmente ineficazes para travar o genocídio. Na minha avaliação final, apelo à eliminação do direito de veto do Conselho de Segurança da ONU, um veto que, na minha opinião, está na origem do fracasso do atual sistema internacional.

Todas as fontes de informação consultadas estão reunidas num pdf (apenas disponível em espanhol-castelhano) que encontrará na versão espanhola-castelhana (castellano) desta entrada neste sítio Web.

Situação e medidas na Palestina desde outubro de 2023

1. A situação na Palestina

1.1. Breve cronologia da situação de guerra em Gaza e das sucessivas reacções à mesma

a) A situação de guerra

Em 7 de outubro de 2023, o Hamas e outros grupos militares palestinianos levaram a cabo a operação “Dilúvio de Al-aqsa” no território limítrofe de Gaza, que resultou na morte de 1 139 israelitas (766 civis e 373 polícias ou militares) e no rapto de 248 pessoas, ao que Israel reagiu matando cerca de 1 500 milicianos palestinianos (segundo fontes israelitas) e capturando cerca de 200.

Nesse mesmo dia, Israel declarou o estado de guerra e lançou uma ofensiva militar sem precedentes na Faixa de Gaza (embora, em termos históricos, esta tenha sido a sexta ofensiva militar de Israel em Gaza desde a sua retirada unilateral em 2005 e as ofensivas seguintes em 2008, 2012, 2014, 2018 e 2021), que começou com uma campanha de bombardeamento na Faixa que durou até 27 de outubro, após o que Israel acrescentou à sua campanha de bombardeamento uma invasão terrestreda Faixa na Operação “Espadas de Ferro”.

Até 23 de novembro, 14 800 pessoas tinham sido mortas em Gaza (cerca de 6 000 crianças e cerca de 4 000 mulheres).

Entre 24 e 30 de novembro de 2023, foi alcançado um cessar-fogo através de negociações entre as partes, durante as quais o Hamas libertou 105 reféns (81 israelitas, 23 tailandeses e um filipino) em troca de 240 prisioneiros palestinianos (107 crianças e 133 mulheres), três quartos dos quais se encontravam em prisões sem sentença.

Os combates recomeçaram em 1 de dezembro.

A partir de 12 de fevereiro, Israel anunciou que iria iniciar em breve uma invasão terrestre de Rafah, onde 1,6 milhões de pessoas se encontravam amontoadas no resto da Faixa de Gaza, à qual a comunidade internacional e os Estados Unidos (EUA) se opuseram frontal e publicamente.

O mês de março começou com taxas de fome extremamente elevadas, sobretudo na parte norte da Faixa. A partir daí, começou a primeira distração regional, que consistiu em anunciar com grande alarde que a ajuda humanitária chegaria a Gaza por navio a partir de Chipre (enquanto milhares de camiões esperavam na fronteira com o Egipto e Israel os impedia de entrar na Faixa) pela ONG World Central Kitchen, dirigida pelo chefe espanhol José Andrés, que tem relações estreitas com o presidente dos EUA. Esta manobra de diversão foi abortada em 2 de abril, quando Israel bombardeou e matou sete dos trabalhadores humanitários estrangeiros da ONG.

Israel abandonou o Hospital Al Shifa a 1 de abril, após duas semanas de operações intensivas que deixaram o hospital totalmente destruído.

Israel voltou a insistir numa invasão terrestre de Rafah e os EUA voltaram a opor-se. Começou o segundo desvio regional. Israel bombardeou e destruiu o consulado iraniano em Damasco a 1 de abril de 2024, matando 16 pessoas. Na noite de 13 de abril, o Irão lançou centenas de veículos aéreos não tripulados e mísseis balísticos do seu território em direção a Israel, sem causar vítimas mortais em Israel. Em 19 de abril de 2024, às 5h23 da manhã, Israel lançou um ataque com veículos aéreos não tripulados contra o Irão, visando principalmente a área em torno da cidade de Esfahan, também sem causar vítimas. Esta segunda distração regional serviu de oportunidade para a comunidade internacional lançar sérias acusações contra o Irão e, mais uma vez, mostrar o seu apoio a Israel.

A 5 de maio, Israel encerrou as instalações da emissora do Qatar Al-Jazeera, o meio de comunicação social internacional que mais cobriu o conflito de Gaza desde o início. Finalmente, a invasão terrestre de Rafah começou na segunda-feira, 6 de maio de 2024. Como esta coincidiu com protestos universitários pró-palestinianos nos EUA, Biden, em ano de eleições, suspendeu temporariamente o último carregamento de armas para Israel. Mesmo assim, Israel continuou a matar civis em Gaza e especialmente em Rafah com impunidade. O Gabinete de Coordenação da Ação Humanitária das Nações Unidas (OCHA) calculou que, em 19 de maio, 800 000 palestinianos tinham sido deslocados de Rafah para o norte da Faixa de Gaza sob coação israelita; muitos tinham morrido na “zona segura” para onde Israel os tinha obrigado a deslocar-se.

Em 8 de junho, ocorreu o massacre do campo de refugiados de Nuseirat, em que 274 palestinianos morreram perante os ataques do exército israelita para libertar quatro reféns.

A guerra continua. Em 3 de julho de 2024, o número de mortos palestinianos na Faixa de Gaza ascende a 37 953 e o número de feridos a 87 266, a que se junta um número de cerca de 10 000 pessoas desaparecidas (e possivelmente debaixo dos escombros). Entre as muitas fontes disponíveis, recomenda-se a consulta das actualizações da ONU (https://www.ochaopt.org/updates).

b) Principais reacções

Como se tornou claro ao longo dos meses, Israel ignorou os avisos dos serviços secretos recebidos de várias fontes sobre o ataque previsto do Hamas, o que levou à demissão, em 22 de abril de 2024, do general responsável pelos serviços secretos militares israelitas.

Já em 13 de outubro de 2023, o professor judeu israelita Raz Segal, especialista em holocausto e genocídio, descreveu a situação em Gaza como um claro genocídio, de acordo com a Convenção das Nações Unidas (ONU) contra o Genocídio, de dezembro de 1948, ao preencher os dois requisitos básicos: (1) existe a intenção de destruir um grupo; e (2) Israel está a perpetrar três dos cinco actos enumerados no artigo II da Convenção.

Em 15 de outubro, mais de 800 peritos em direito internacional alertaram, num comunicado, para um potencial genocídio.

Desde o início, a Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) apelou a uma pausa humanitária e, uma vez que não foi possível chegar a acordo entre os membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) – os EUA vetaram uma primeira resolução em 18 de outubro -, em 26 de outubro, emitiu a resolução de emergência ES 10-21, apelando a uma trégua humanitária imediata e duradoura, ao respeito pelo direito internacional e à criação de um mecanismo para proteger a vida dos civis.

Em 9 de novembro de 2023, realizou-se em Paris uma Conferência Humanitária Internacional para apoiar a crise humanitária sem precedentes com que se confronta a população civil de Gaza; realizou-se também uma reunião de acompanhamento em Paris, em 6 de dezembro de 2023.

Em 15 de novembro, o Conselho de Segurança das Nações Unidas adoptou uma primeira resolução, a Resolução 2712 (2023), que não apelava a um cessar-fogo permanente, mas exigia o respeito pelo direito internacional humanitário (DIH), especialmente no que se refere à proteção dos civis.

Em 17 de novembro, cinco países, liderados pela África do Sul, solicitaram ao Gabinete do Procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI) que alargasse a Gaza, a partir de 8 de outubro de 2023, as suas investigações sobre os crimes cometidos nos Territórios Ocupados desde 2014, pedido a que se juntaram o Chile e o México em janeiro de 2024.

Em 8 de dezembro, o CSNU reuniu-se a pedido do Secretário-Geral das Nações Unidas (SGNU), em aplicação dos poderes previstos no artigo 99.º da Carta das Nações Unidas, mas os EUA vetaram a resolução sobre o cessar-fogo.

Em 13 de dezembro, a CIA americana revelou que quase 50% das bombas ar-terra utilizadas por Israel eram “bombas burras“, bombas não guiadas, com grande impacto na população civil.

Em 21 de dezembro de 2023, o Comité para a Eliminação da Discriminação Racial das Nações Unidas observou numa declaração que: “o discurso de ódio e o discurso desumanizador dirigido aos palestinianos suscitam sérias preocupações no que diz respeito às obrigações de Israel e de outros Estados Partes de prevenir crimes contra a humanidade e genocídio.

Em 22 de dezembro de 2023, o Conselho de Segurança das Nações Unidas adoptou a Resolução 2720 (2023), que apela à prestação de assistência humanitária através de todos os canais disponíveis.

Em 29 de dezembro de 2023, a África do Sul apresentou ao Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) um processo contra Israel relacionado com a Convenção sobre o Genocídio, solicitando medidas provisórias. A audiência sobre estas medidas provisórias teve lugar em 11 de janeiro de 2024 (África do Sul) e 12 de janeiro (Israel) e, em 26 de janeiro, o TIJ emitiu o seu despacho com 6 medidas provisórias, que não incluíam o fim das operações militares israelitas em Gaza, tal como solicitado pela África do Sul.

Na sequência do anúncio de Israel, em 9 de fevereiro, de que iria iniciar operações militares em grande escala em Rafah, a África do Sul solicitou medidas adicionais ao TIJ em 12 de fevereiro, que informou as partes em 16 de fevereiro de que a ordem de 26 de janeiro se aplicava a toda a Faixa de Gaza, incluindo Rafah. Por seu lado, o Alto Comissariado para os Direitos Humanos Türk lançou um recurso contra a invasão de Rafah.

Tendo em conta a fome generalizada em Gaza, a África do Sul voltou a solicitar medidas adicionais em 6 de março e, em 28 de março, o TIJ emitiu uma nova ordem com 3 medidas adicionais destinadas a atenuar a fome, sublinhando que a ordem era vinculativa.

Em 25 de março, o Conselho de Segurança das Nações Unidas adoptou uma nova resolução, a 2728 (2024), apelando a um cessar-fogo imediato e a um maior fluxo de assistência humanitária.

Em 5 de abril, o Conselho dos Direitos do Homem das Nações Unidas (CDH) adoptou uma resolução que apela a Israel para que ponha termo à ocupação e ao bloqueio de Gaza e aos Estados para que ponham termo ao comércio de armas com Israel.

Em 26 de abril, tiveram início protestos em universidades americanas apelando ao fim do genocídio em Gaza. Estas manifestações estenderam-se a outras universidades e começaram a ser duramente reprimidas pelas autoridades policiais, uma repressão que o Presidente Biden apoiou em 2 de maio.

Em 29 de abril, começaram acampamentos semelhantes na Universidade de Valência (Espanha), que foram seguidos por cerca de trinta universidades no resto de Espanha. Da mesma forma, a “intifiada universitária” espalhou-se pelos campus de todo o mundo.

A 5 de maio, Israel fechou o único canal que emitia com pessoal em Gaza, a Aljazeera do Qatar. E, no dia seguinte, depois de ter minimizado os testemunhos, Israel iniciou a incursão terrestre em Rafah.

Perante o tremendo impacto da invasão de Rafah, a África do Sul voltou a solicitar medidas adicionais a 10 de maio e, a 24 de maio, o TIJ emitiu uma nova ordem com 3 medidas adicionais solicitando a Israel que parasse imediatamente a sua incursão em Rafah.

Em 17 de maio, os EUA começaram a desembarcar ajuda humanitária através de um porto temporário instalado em Gaza, mas a fome levou a população a invadir os camiões de ajuda e, em 19 de maio, o desembarque foi interrompido.

Em 31 de maio, o Presidente Biden anunciou um plano de paz em três fases (cessar-fogo temporário; cessação permanente das hostilidades; reconstrução de Gaza) que foi levado ao CSNU e aprovado pela resolução 2735 de 10 de junho, que Israel não aceitou e não está a aplicar.

Em 11 de junho, teve lugar na Jordânia outra Conferência de Resposta Humanitária Urgente para Gaza, organizada pela Jordânia, pelo Egipto e pela ONU.

Em 20 de junho, o porta-voz do exército israelita, Daniel Hagari, afirmou que “a ideia de destruir o Hamas é inatingível, porque é um partido que habita no coração das pessoas e quem disser que podemos eliminar o Hamas está enganado”. O Governo israelita respondeu salientando que a destruição das capacidades militares e organizativas do Hamas continuava a ser um dos objectivos da guerra.

1.2. Situação na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental

Israel e os seus colonos também aproveitaram a guerra em Gaza para, entre 7 de outubro de 2023 e 3 de julho de 2024, levar a cabo acções contra a população civil palestiniana na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, de acordo com os dados fornecidos pela ONU:

539 execuções extrajudiciais, incluindo 131 crianças, levadas a cabo pelo exército israelita e/ou pelos colonos.

– 5 420 feridos, dos quais 830 crianças, um terço dos quais causados pela utilização de munições.

– 1 061 demolições ou confiscos de estruturas palestinianas, das quais 398 eram casas habitadas, resultando na deslocação de 2 368 pessoas, incluindo 1 047 crianças.

– 45 600 árvores palestinianas destruídas pelos colonos.

No mesmo período, segundo a mesma fonte da ONU, 14 israelitas (9 soldados e 5 colonos) foram mortos por ataques palestinianos na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental e 105 ficaram feridos (90 dos quais soldados). No interior de Israel, 8 israelitas foram mortos por ataques palestinianos e os 4 atacantes palestinianos.

Paralelamente, entre 7 de outubro e 21 de junho de 2024, registaram-se 9 300 detenções arbitrárias, incluindo detenções arbitrárias de jornalistas, juntamente com alegações de tortura e maus-tratos de prisioneiros palestinianos nas prisões israelitas.

Estes actos foram fortemente criticados pelo Alto Representante da ONU para os Direitos Humanos e pelas ONG de defesa dos direitos humanos.

Em especial, a alegação de que Israel rouba órgãos e pele dos corpos dos palestinianos que mata, uma alegação já documentada em 2009, foi novamente detectada e denunciada pela ONG de direitos humanos Euro-Med Human Rights Monitor.

2. Descrição pormenorizada das medidas adoptadas pela comunidade internacional

Segue-se uma descrição mais pormenorizada das medidas tomadas pela comunidade internacional para tentar travar o genocídio sionista na Faixa de Gaza, medidas essas que, a partir de 4 de julho de 2024, não conseguiram travar.

2.1. Declarações de altos funcionários da ONU

Desde o início, o Secretário-Geral da ONU fez inúmeras declarações apelando a um cessar-fogo permanente, todas elas extremamente duras para com Israel. Em 16 de maio de 2024, apelou a Israel para que cessasse a sua incursão em Rafah e fornecesse os meios para a distribuição segura da ajuda humanitária, cujas reservas estavam esgotadas.

Por seu lado, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACDH), Volker Türk, apelou repetidamente (desde 19 de dezembro de 2023) a um cessar-fogo duradouro por razões humanitárias e de direitos humanos. Em 12 de fevereiro de 2024, Türk lançou um apelo angustiante sobre as consequências devastadoras de uma incursão militar israelita em Rafah, uma incursão que Israel iniciou por terra em 6 de maio.

2.2. Resoluções da AGNU

Desde logo, a Assembleia Geral da ONU, dada a incapacidade de os membros do CSNU chegarem a acordo – os EUA vetaram uma primeira resolução para o efeito em 18 de outubro de 2023 – a Assembleia Geral emitiu a resolução de emergência ES 10-21 em 26 de outubro de 2023, com 14 parágrafos operativos, a saber

1. apela à declaração de uma trégua humanitária imediata, duradoura e sustentada que conduza à cessação das hostilidades;

2. Exige que todas as partes cumpram plena e imediatamente as obrigações que lhes incumbem por força do direito internacional, incluindo o direito internacional humanitário e o direito internacional em matéria de direitos humanos, em particular no que diz respeito à proteção dos civis e dos objectos civis e à proteção do pessoal humanitário, das pessoas fora de combate e das instalações e bens humanitários, e que permitam e facilitem o acesso humanitário para que os fornecimentos e serviços essenciais cheguem a todos os civis necessitados na Faixa de Gaza;

3. Exige igualmente o fornecimento imediato, contínuo, adequado e sem entraves de bens e serviços essenciais, incluindo, nomeadamente, água, alimentos, material médico, combustível e eletricidade, aos civis em toda a Faixa de Gaza, salientando o imperativo, ao abrigo do direito humanitário internacional, de assegurar que os civis não sejam privados dos bens indispensáveis à sua sobrevivência;

4. Apela à concessão de acesso humanitário imediato, pleno, sustentado, seguro e sem entraves à Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente e a outras agências humanitárias das Nações Unidas e aos seus parceiros responsáveis pela execução, ao Comité Internacional da Cruz Vermelha e a todas as outras organizações humanitárias que defendem os princípios humanitários e prestam assistência urgente aos civis na Faixa de Gaza, incentiva a criação de corredores humanitários e outras iniciativas destinadas a facilitar a prestação de ajuda humanitária aos civis e congratula-se com os esforços envidados neste sentido;

5. Apela igualmente à revogação da ordem de Israel, a potência ocupante, de evacuar todas as zonas da Faixa de Gaza a norte de Wadi Gaza e de se deslocar para o sul de Gaza, incluindo os civis palestinianos e o pessoal das Nações Unidas, bem como os trabalhadores humanitários e médicos, recorda e reitera que os civis estão protegidos pelo direito humanitário internacional e devem receber assistência humanitária onde quer que se encontrem, e reitera a necessidade de medidas adequadas para garantir a segurança e o bem-estar dos civis, em especial das crianças, e a sua proteção, e para permitir a sua circulação em segurança;

6. Rejeita veementemente qualquer tentativa de transferência forçada da população civil palestiniana;

7. Apela à libertação imediata e incondicional de todos os civis detidos ilegalmente em cativeiro, exigindo a sua segurança, bem-estar e tratamento humano, em conformidade com o direito internacional;

8. Apela igualmente ao respeito e à proteção, em conformidade com o direito humanitário internacional, de todas as instalações civis e humanitárias, incluindo hospitais e outras instalações médicas, e respectivos meios de transporte e equipamento, escolas, locais de culto e instalações das Nações Unidas, bem como de todo o pessoal humanitário e médico e jornalistas, profissionais dos meios de comunicação social e pessoal associado, nos conflitos armados na região;

9. Salienta o impacto particularmente grave dos conflitos armados sobre as mulheres e as crianças, incluindo os refugiados e as pessoas deslocadas, bem como sobre outros civis que podem ser vulneráveis por razões específicas, incluindo as pessoas com deficiência e os idosos;

10. Salienta igualmente a necessidade de criar urgentemente um mecanismo para assegurar a proteção da população civil palestiniana, em conformidade com o direito internacional e as resoluções pertinentes das Nações Unidas;

11. Salienta ainda a importância de um mecanismo de notificação humanitária para assegurar a proteção das Nações Unidas e de todas as instalações humanitárias e para garantir a livre circulação dos comboios de assistência;

12. Salienta a importância de evitar uma maior desestabilização e uma escalada da violência na região e, a este respeito, apela a todas as partes para que dêem provas da máxima contenção e a todos os que têm influência sobre elas para que trabalhem para atingir este objetivo;

13. Reafirma que uma solução justa e duradoura para o conflito israelo-palestiniano só pode ser alcançada por meios pacíficos, em conformidade com as resoluções pertinentes das Nações Unidas e com o direito internacional, e com base na solução de dois Estados;

14. Decide suspender temporariamente a Décima Sessão Especial de Emergência e autorizar o Presidente da última sessão da Assembleia Geral a retomá-la a pedido dos Estados membros.

2.3. Resoluções do CSNU

2.3.1. Resolução 2712 (2023) do CSNU

O CSNU adoptou, em 15 de novembro, uma primeira resolução, a Resolução 2712 (2023) do CSNU, com sete pontos substantivos, nomeadamente

  1. Exige que todas as partes cumpram as suas obrigações ao abrigo do direito internacional, incluindo o direito humanitário internacional, em particular no que diz respeito à proteção dos civis, especialmente das crianças;
  2. Solicita o estabelecimento urgente de amplas pausas e corredores humanitários em toda a Faixa de Gaza durante um número suficiente de dias para permitir, em conformidade com o direito humanitário internacional, o acesso humanitário pleno, rápido, seguro e sem entraves por parte das agências humanitárias da ONU e dos seus parceiros de execução, do Comité Internacional da Cruz Vermelha e de outras organizações humanitárias imparciais, a fim de facilitar a prestação contínua fornecimento suficiente e desimpedido de bens e serviços essenciais importantes para o bem-estar dos civis, especialmente das crianças, em toda a Faixa de Gaza, tais como água, eletricidade, combustível, alimentos e material médico, bem como a reparação de emergência de infra-estruturas essenciais, e para permitir esforços urgentes de salvamento e recuperação, nomeadamente de crianças desaparecidas em edifícios danificados e destruídos, e incluindo a avaliação médica de crianças doentes ou feridas e dos seus cuidadores
  3. Solicita a libertação imediata e incondicional de todos os reféns detidos pelo Hamas e outros grupos, especialmente crianças, e que seja garantido o acesso imediato da ajuda humanitária
  4. Apela a todas as partes para que se abstenham de privar a população civil da Faixa de Gaza dos serviços básicos e da assistência humanitária essenciais à sua sobrevivência, em conformidade com o direito humanitário internacional, uma vez que tal tem um impacto desproporcionado nas crianças; congratula-se com o fornecimento inicial, embora limitado, de ajuda humanitária aos civis na Faixa de Gaza e apela à expansão dessa ajuda para satisfazer as necessidades humanitárias da população civil, especialmente das crianças
  5. Salienta a importância dos mecanismos de coordenação, de notificação humanitária e de prevenção de conflitos para proteger todo o pessoal médico e humanitário, os veículos, incluindo as ambulâncias, os locais de ação humanitária e as infra-estruturas vitais, incluindo as instalações da ONU, e para ajudar a facilitar a circulação dos comboios de ajuda e dos doentes, em particular das crianças doentes e feridas e dos seus prestadores de cuidados
  6. Solicita ao Secretário-Geral que apresente um relatório oral sobre a aplicação da presente resolução na sua próxima reunião agendada sobre a situação no Médio Oriente, e solicita ainda ao Secretário-Geral que considere as opções para um acompanhamento eficaz da aplicação da presente resolução como uma questão de extrema importância;
  7. Decide continuar a ocupar-se deste assunto.

Os EUA, o Reino Unido e a Rússia abstiveram-se.

2.3.2. Resolução 2720 (2023) do CSNU

Depois de muita pressão internacional sobre os EUA, a Resolução 2720 (2023) do CSNU foi aprovada em 22 de dezembro de 2023, uma resolução que não inclui o fogo permanente, mas cujo n.º 12 é extremamente importante em termos do dia seguinte. Os 16 parágrafos operativos desta resolução são reproduzidos abaixo:

  1. Reitera o seu pedido de que todas as partes no conflito cumpram as obrigações que lhes incumbem por força do direito internacional, incluindo o direito internacional humanitário, nomeadamente no que diz respeito à condução das hostilidades e à proteção dos civis e dos objectos civis, ao acesso humanitário e à proteção do pessoal humanitário e à sua liberdade de circulação, bem como ao dever, se for caso disso, de assegurar que a população disponha de alimentos e de material médico, recorda, nomeadamente, que as instalações civis e humanitárias, incluindo hospitais, instalações médicas, escolas, locais de culto e instalações das Nações Unidas, bem como o pessoal humanitário e médico e os seus meios de transporte, devem ser respeitados e protegidos, em conformidade com o direito humanitário internacional, e afirma que nada na presente resolução isenta as partes destas obrigações;
  2. Reafirma as obrigações das partes em conflito, nos termos do direito humanitário internacional, no que respeita à prestação de assistência humanitária, exige que autorizem, facilitem e permitam a entrega imediata, segura e desimpedida de assistência humanitária em larga escala diretamente à população civil palestiniana em toda a Faixa de Gaza e, a este respeito, apela a que sejam tomadas medidas urgentes para permitir imediatamente um acesso humanitário mais amplo, seguro e desimpedido e para criar condições conducentes a uma cessação sustentável das hostilidades
  3. Exige que as partes em conflito permitam e facilitem a utilização, para a prestação de assistência humanitária, de todas as vias disponíveis para a Faixa de Gaza e no seu interior, incluindo os pontos de passagem, nomeadamente a abertura total e rápida do ponto de passagem de Karam Abu Salim/Kerem Shalom, tal como anunciado, a fim de garantir que o pessoal humanitário e a assistência humanitária, incluindo combustível, alimentos e material médico, bem como a assistência a abrigos de emergência, possam chegar à população civil necessitada, e para garantir que o pessoal humanitário e a assistência humanitária, incluindo combustível, alimentos e material médico, bem como a assistência a abrigos de emergência, possam chegar à população civil necessitada, chegar aos civis necessitados em toda a Faixa de Gaza, sem desvios e pelas rotas mais directas, juntamente com materiais e equipamentos para reparar infra-estruturas críticas e assegurar o seu funcionamento e para prestar serviços essenciais, sem prejuízo das obrigações das partes em conflito ao abrigo do direito internacional humanitário, e salienta a importância de respeitar e proteger os postos fronteiriços e as infra-estruturas marítimas utilizadas para a prestação de assistência humanitária em grande escala;
  4. Solicita ao Secretário-Geral que, com o objetivo de acelerar a prestação de assistência humanitária à população civil na Faixa de Gaza, nomeie um Alto Coordenador para a Ajuda Humanitária e a Reconstrução, que será responsável por facilitar, coordenar, acompanhar e verificar em Gaza, se for caso disso, o carácter humanitário de todas as remessas de ajuda humanitária para Gaza através de Estados que não são partes no conflito e solicita ainda que o Coordenador crie rapidamente um mecanismo das Nações Unidas para acelerar a entrega de remessas de ajuda humanitária a Gaza através de Estados que não são partes no conflito, em consulta com todas as partes interessadas, com o objetivo de racionalizar, simplificar e acelerar o processo de entrega de assistência, continuando simultaneamente a ajudar a garantir que a ajuda chegue ao seu destino civil, e exige que as partes no conflito cooperem com o Coordenador para cumprir o mandato sem atrasos ou obstruções;
  5. Solicita a rápida nomeação do Coordenador;
  6. Determina que o Coordenador deve dispor do pessoal e do equipamento necessários em Gaza, sob a autoridade das Nações Unidas, para desempenhar estas e outras funções que lhe possam ser confiadas, e solicita que o Coordenador lhe apresente um relatório, pela primeira vez no prazo de 20 dias e, posteriormente, de 90 em 90 dias, até 30 de setembro de 2024;
  7. Exige a libertação imediata e incondicional de todos os reféns e que seja garantido o acesso humanitário para satisfazer as necessidades médicas de todos os reféns;
  8. Exige o fornecimento de combustível a Gaza em quantidades que satisfaçam as necessidades humanitárias;
  9. Solicita que todas as partes respeitem o direito humanitário internacional e, a este respeito, deplora todos os ataques contra civis e objectos civis, bem como todos os actos de violência e hostilidades contra civis e todos os actos de terrorismo;
  10. Reafirma as obrigações de todas as partes no âmbito do direito internacional humanitário, nomeadamente de respeitar e proteger os civis e de ter o cuidado permanente de não causar danos a objectos civis, incluindo os indispensáveis à prestação de serviços essenciais à população civil, e de se abster de atacar, destruir, remover ou inutilizar objectos indispensáveis à sobrevivência da população civil, bem como de respeitar e proteger o pessoal humanitário e as remessas utilizadas nas operações de ajuda humanitária;
  11. Reafirma que os objectos civis, incluindo os locais de refúgio, como os que se encontram dentro e à volta das instalações das Nações Unidas, são protegidos pelo direito humanitário internacional e rejeita a deslocação forçada de civis, incluindo crianças, o que constitui uma violação do direito internacional, incluindo o direito humanitário internacional e o direito internacional em matéria de direitos humanos;
  12. Reitera o seu empenho inabalável na aspiração à solução de dois Estados, que permitirá a dois Estados democráticos, Israel e Palestina, viverem lado a lado em paz, dentro de fronteiras seguras e reconhecidas, em conformidade com o direito internacional e as resoluções pertinentes das Nações Unidas, e, a este respeito, salienta a importância de unificar a Faixa de Gaza com a Cisjordânia sob a Autoridade Palestiniana
  13. Exige que todas as partes em conflito tomem todas as medidas adequadas para garantir a segurança e a proteção do pessoal das Nações Unidas e do pessoal associado, do pessoal das suas agências especializadas e de outro pessoal envolvido em actividades de ajuda humanitária, em conformidade com o direito humanitário internacional, sem afetar a sua liberdade de circulação e de acesso; salienta a necessidade de que estas actividades não sejam prejudicadas e recorda que o pessoal de ajuda humanitária deve ser respeitado e protegido
  14. Exige que a Resolução 2712 (2023) seja plenamente aplicada, solicita ao Secretário-Geral que apresente um relatório escrito, no prazo de cinco dias úteis a contar da data de adoção da presente resolução, sobre a aplicação da Resolução 2712 (2023) e, posteriormente, se necessário, e a apelar a todas as partes envolvidas para que utilizem plenamente os mecanismos existentes de notificação humanitária e de prevenção de conflitos para proteger todas as instalações humanitárias, incluindo as instalações das Nações Unidas, e para ajudar a facilitar a circulação dos comboios de ajuda, sem prejuízo das obrigações das partes de respeitar o direito internacional humanitário;
  15. Solicita ao Secretário-Geral que informe o Conselho sobre a aplicação da presente resolução nos seus relatórios periódicos ao Conselho;
  16. Decide continuar a ocupar-se ativamente desta questão.

Os EUA e a Rússia abstiveram-se.

Em 26 de dezembro de 2023, nos termos do ponto 4 da presente resolução, o SGNU nomeou a política e diplomata neerlandesa Sigrid Kaag como Coordenadora Principal para os Assuntos Humanitários e a Reconstrução. Em 12 de abril de 2024, o SG nomeou o diplomata jordano Muhannad Hadi como coordenador adjunto.

2.3.3. Resolução 2728 (2024) do CSNU 

Depois de uma nova pressão internacional sobre os EUA, a Resolução 2728 (2024) do CSNU foi aprovada com êxito em 25 de março de 2024, que

  1. Exige um cessar-fogo imediato para o mês do Ramadão, respeitado por todas as partes, que conduza a um cessar-fogo duradouro e sustentável, e exige também a libertação imediata e incondicional de todos os reféns e que seja garantido o acesso humanitário para satisfazer as suas necessidades médicas e outras necessidades humanitárias, e exige ainda que as partes cumpram as suas obrigações ao abrigo do direito internacional em relação a todas as pessoas que detêm;
  2. Salienta a necessidade urgente de alargar o fluxo de assistência humanitária aos civis em toda a Faixa de Gaza e de reforçar a sua proteção, e reitera o seu pedido de que sejam removidos todos os obstáculos à prestação de assistência humanitária em larga escala, em conformidade com o direito humanitário internacional e as Resoluções 2712 (2023) e 2720 (2023);
  3. Decide continuar a ocupar-se ativamente desta questão.

Os EUA abstiveram-se.

2.3.4. Resolução 2735 (2024) do CSNU

Após nova pressão internacional sobre os EUA, a Resolução 2735 (2024) do CSNU foi adoptada em 10 de junho de 2024, com 14 votos a favor e a abstenção da Rússia, que

  1. Congratula-se com a nova proposta de cessar-fogo anunciada em 31 de maio, que foi aceite por Israel, apela ao Hamas para que a aceite também e insta ambas as partes a aplicarem os seus termos na íntegra e sem atrasos ou condições;
  2. Regista que a aplicação desta proposta permitiria alcançar os seguintes resultados em três fases: (a) Fase 1: um cessar-fogo imediato, total e completo, acompanhado da libertação dos reféns, incluindo mulheres, idosos e feridos, a devolução dos restos mortais de alguns reféns que foram mortos, a troca de prisioneiros palestinianos a retirada das forças israelitas das zonas povoadas de Gaza e o regresso dos civis palestinianos às suas casas e bairros em todas as zonas de Gaza, incluindo o norte, bem como a distribuição segura e eficaz de assistência humanitária em grande escala em toda a Faixa de Gaza a todos os civis palestinianos necessitados, incluindo em alojamentos fornecidos pela comunidade internacional; (b) Fase 2: mediante acordo das partes, cessação definitiva das hostilidades, em troca da libertação de todos os reféns que ainda se encontram em Gaza e da retirada total das forças israelitas de Gaza; e (c) Fase 3: lançamento de um importante plano plurianual de reconstrução de Gaza e devolução dos restos mortais dos reféns falecidos que ainda se encontram em Gaza às suas famílias;
  3. Sublinha que a proposta estabelece que, se as negociações sobre a Fase 1 se prolongarem por mais de seis semanas, o cessar-fogo será mantido enquanto as negociações prosseguirem, e congratula-se com a disponibilidade do Egipto, dos Estados Unidos e do Qatar para assegurar que as negociações prossigam até que todos os acordos sejam alcançados e a Fase 2 possa começar;
  4. Salienta a importância de as partes cumprirem os termos da presente proposta, uma vez acordados, e exorta todos os Estados-Membros e as Nações Unidas a apoiarem a sua aplicação;
  5. Rejeita qualquer tentativa de efetuar alterações demográficas ou territoriais na Faixa de Gaza, incluindo qualquer ação que reduza o território de Gaza;
  6. Reitera o seu inabalável empenho na aspiração de alcançar a solução de dois Estados, que permita a dois Estados democráticos, Israel e Palestina, viverem lado a lado em paz, dentro de fronteiras seguras e reconhecidas, em conformidade com o direito internacional e as resoluções pertinentes das Nações Unidas, e, a este respeito, salienta a importância de unificar a Faixa de Gaza com a Cisjordânia sob a Autoridade Palestiniana
  7. Decide continuar a ocupar-se desta questão.

A Rússia absteve-se porque, na sua opinião, o processo de negociação desta resolução não tinha sido transparente e não havia clareza sobre se Israel a apoiaria; mas indicou que não a vetava porque o mundo árabe a apoiava.

Em 3 de julho de 2024, Israel ainda não tinha aceite a proposta de cessar-fogo anunciada pelo Presidente dos EUA, Joe Biden, em 31 de maio (e referida no ponto 1 da presente resolução).

2.4. Resoluções do Conselho dos Direitos do Homem

Em 5 de abril de 2024, o Conselho dos Direitos do Homem das Nações Unidas (CDH) adoptou a Resolução 55/28 sobre a situação dos direitos humanos nos Territórios Palestinianos Ocupados, incluindo Jerusalém Oriental, com 47 pontos substantivos:

1. Exige que Israel, a potência ocupante, ponha termo à sua ocupação do território palestiniano ocupado desde 1967, incluindo Jerusalém Oriental, e salienta que todos os esforços para pôr termo ao conflito israelo-palestiniano devem basear-se no respeito do direito internacional humanitário e dos direitos humanos e das resoluções pertinentes das Nações Unidas;

2. Exige igualmente que Israel levante imediatamente o seu bloqueio à Faixa de Gaza e todas as outras formas de punição colectiva;

3. Apela a um cessar-fogo imediato em Gaza, ao acesso e à assistência humanitária de emergência imediata, nomeadamente através dos postos de passagem e das vias terrestres, e ao restabelecimento urgente das necessidades básicas da população palestiniana em Gaza

4. Exorta todos os Estados a tomarem medidas imediatas para impedir a continuação das transferências forçadas de palestinianos para dentro e para fora de Gaza, em conformidade com as suas obrigações ao abrigo do direito internacional;

5. Adverte contra qualquer operação militar em grande escala na cidade de Rafah e contra as suas devastadoras consequências humanitárias;

6. Condena a prática da fome da população civil como método de guerra em Gaza, a recusa ilegal do acesso humanitário, a obstrução intencional dos fornecimentos de ajuda humanitária e a privação da população civil de bens indispensáveis à sua sobrevivência, como alimentos, água, eletricidade, combustível e telecomunicações, por parte de Israel, a potência ocupante;

7. Manifesta a sua profunda preocupação com as declarações de funcionários israelitas que equivalem a um incitamento ao genocídio e exige que Israel assuma a sua responsabilidade legal de impedir o genocídio e cumpra plenamente as medidas provisórias ordenadas pelo Tribunal Internacional de Justiça em 26 de janeiro de 2024;

8. Lamenta a atual política de Israel de impor medidas punitivas ao povo palestiniano, aos seus dirigentes e à sociedade civil, e insta Israel a pôr termo à prática de “retenção” das receitas fiscais palestinianas;

9. Salienta o imperativo de uma responsabilização credível, atempada e abrangente por todas as violações do direito internacional, a fim de fazer justiça às vítimas e estabelecer uma paz justa e sustentável;

10. Congratula-se com a investigação em curso do Gabinete do Procurador do Tribunal Penal Internacional sobre a situação no Território Palestiniano Ocupado e aguarda com expetativa a sua continuação, a fim de garantir a responsabilização pelos crimes da competência do Tribunal;

11. Reitera que todas as medidas e acções tomadas por Israel, a potência ocupante, nos Territórios Palestinianos Ocupados, incluindo Jerusalém Oriental, em violação das disposições pertinentes da Convenção de Genebra relativa à Proteção das Pessoas Civis em Tempo de Guerra, de 12 de agosto de 1949, e contrárias às resoluções pertinentes do Conselho de Segurança, são ilegais e inválidas;

12. Afirma que nenhum Estado reconhecerá como legal uma situação criada por uma violação grave, por parte de um Estado, de uma obrigação decorrente de uma norma imperativa do direito internacional geral, nem prestará ajuda ou assistência para manter tal situação, e que todos os Estados cooperarão para pôr termo, por meios legais, a qualquer violação grave;

13. Reconhece as graves violações por parte de Israel de múltiplas normas peremptórias e apela a todos os Estados para que assegurem que as suas exportações de armas não contribuam para esta situação ilegal nem dela beneficiem;

14. Exorta todos os Estados a cessarem a venda, a transferência e o desvio de armas, munições e outro equipamento militar para Israel, a potência ocupante, a fim de evitar novas violações do direito humanitário internacional e violações e abusos dos direitos humanos, e a absterem-se, em conformidade com as normas e padrões internacionais, de exportar, transferir e desviar armas, munições e outro equipamento militar para Israel, a potência ocupante, a fim de evitar novas violações do direito humanitário internacional e violações e abusos dos direitos humanos, e, em conformidade com as normas e padrões internacionais se abstenham de exportar, vender ou transferir bens e tecnologias de vigilância e armas menos letais, incluindo artigos de “dupla utilização”, sempre que determinem que existem motivos razoáveis para suspeitar que esses bens, tecnologias ou armas poderão ser utilizados para violar ou violar os direitos humanos;

15. Lamenta a persistente falta de cooperação de Israel com os Procedimentos Especiais do Conselho dos Direitos do Homem e outros mecanismos das Nações Unidas que procuram investigar alegadas violações do direito internacional nos Territórios Palestinianos Ocupados, incluindo Jerusalém Oriental, e exorta Israel a cooperar plenamente com o Conselho dos Direitos do Homem e todos os seus Procedimentos Especiais, mecanismos e investigações relevantes, bem como com o Gabinete do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos do Homem;

16. Exige que Israel conceda acesso imediato à Comissão Internacional Independente de Inquérito sobre os Territórios Palestinianos Ocupados, incluindo Jerusalém Oriental, e Israel, aos Procedimentos Especiais do Conselho dos Direitos do Homem e ao Gabinete do Alto Comissário;

17. Exige igualmente que Israel, a potência ocupante, ponha termo a todas as acções ilegais no Território Palestiniano Ocupado, incluindo Jerusalém Oriental, nomeadamente a criação e a expansão de colonatos; a demolição de estruturas privadas e residenciais pertencentes a palestinianos, incluindo demolições punitivas de casas; a transferência forçada de habitantes palestinianos e a revogação das autorizações de residência dos palestinianos que vivem em Jerusalém Oriental através de uma série de leis discriminatórias; escavações em locais religiosos e históricos e nas suas imediações; e todas as outras medidas unilaterais destinadas a alterar o carácter, o estatuto e a composição demográfica de todo o território, que têm, entre outros, efeitos graves e prejudiciais para os direitos humanos do povo palestiniano e para as perspectivas de uma solução justa e pacífica;

18. Exige ainda que Israel, a potência ocupante, cumpra as obrigações legais que lhe incumbem por força do direito internacional, tal como consta do parecer consultivo do Tribunal Internacional de Justiça emitido em 9 de julho de 2004 e tal como exigido pela Assembleia Geral nas suas resoluções ES-10/13, de 21 de outubro de 2003, e ES-10/15, de 20 de julho de 2004, e que ponha imediatamente termo à construção do muro nos Territórios Palestinianos Ocupados, incluindo em Jerusalém Oriental e nas suas imediações, a desmantelar sem demora a estrutura aí existente, a revogar ou tornar ineficaz toda a legislação e regulamentação conexa e a reparar todos os danos causados pela construção do muro, que afectou gravemente os direitos humanos e as condições de vida socioeconómicas do povo palestiniano;

19. Exorta Israel a cessar imediatamente as demolições ou os planos de demolição que possam conduzir à continuação da transferência ou expulsão forçada de palestinianos, a facilitar o regresso das famílias e comunidades palestinianas que tenham sido sujeitas a transferências ou expulsões forçadas aos seus lares de origem e a garantir uma habitação adequada e a segurança jurídica da posse;

20. Manifesta a sua profunda preocupação com as restrições impostas por Israel que impedem o acesso dos fiéis cristãos e muçulmanos aos locais sagrados no Território Palestiniano Ocupado, incluindo Jerusalém Oriental, e apela a Israel para que garanta a não discriminação com base na religião ou crença e a preservação e o acesso pacífico a todos os locais religiosos;

21. Reafirma a responsabilidade de Israel, a potência ocupante, de respeitar o direito à saúde de todas as pessoas nos Territórios Palestinianos Ocupados, incluindo Jerusalém Oriental, e de facilitar a passagem imediata, contínua e desimpedida da ajuda humanitária, incluindo o acesso do pessoal médico e a entrada de equipamento humanitário, transporte e fornecimentos humanitários para todas as zonas ocupadas, bem como a concessão de autorizações de saída para os pacientes que necessitem de tratamento médico fora da Faixa de Gaza, e salienta a necessidade de passagem desimpedida das ambulâncias através dos postos de controlo, especialmente em tempos de conflito;

22 ) Insta Israel a pôr termo à distribuição discriminatória dos recursos hídricos no TPO, incluindo na zona do Vale do Jordão, que tem sido afetada pela destruição de poços civis locais, tanques de água nos telhados e outras instalações de abastecimento de água e irrigação em operações militares e de colonos desde 1967;

23. Exige que Israel, a potência ocupante, cumpra plenamente o direito internacional, incluindo o direito humanitário internacional e o direito internacional em matéria de direitos humanos, e ponha termo a todas as medidas e acções tomadas em violação destes ramos do direito e às leis, políticas e acções discriminatórias no Território Palestiniano Ocupado, incluindo Jerusalém Oriental, que violam o direito internacional e os direitos humanos, incluindo Jerusalém Oriental, que violem os direitos humanos do povo palestiniano, incluindo as que são levadas a cabo como punição colectiva em violação do direito humanitário internacional, bem como a obstrução da assistência humanitária e da ação independente e imparcial da sociedade civil;

24. Exige igualmente que Israel tome medidas imediatas para proibir e erradicar todas as suas políticas e práticas discriminatórias, que afectam de forma grave e desproporcionada a população palestiniana no Território Palestiniano Ocupado, incluindo Jerusalém Oriental, pondo termo ao sistema rodoviário segregado exclusivamente israelita, às actividades de colonização e às restrições à liberdade de circulação dos palestinianos, e desmantelando o muro ilegal;

25. reafirma que as críticas às violações do direito internacional por parte de Israel não devem ser confundidas com antissemitismo

26 . Reitera a necessidade de respeitar a unidade territorial, a contiguidade e a integridade de todo o Território Palestiniano Ocupado, incluindo Jerusalém Oriental, e de garantir a liberdade de circulação de pessoas e bens no Território Palestiniano, incluindo a circulação dentro e fora de Jerusalém Oriental e da Faixa de Gaza, entre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza e entre o Território Palestiniano e o mundo exterior;

27. Condena todos os actos de violência, incluindo todos os actos de terror, provocação, incitamento e destruição, em particular o uso de força letal ilegal e outros usos excessivos da força por parte das forças de ocupação israelitas contra civis palestinianos, incluindo civis com direito a proteção especial ao abrigo do direito internacional que não representem uma ameaça iminente à vida;

28. Condena igualmente a utilização por Israel de armas explosivas com uma vasta área de impacto em zonas povoadas de Gaza e a utilização de inteligência artificial para ajudar a tomar decisões militares que podem contribuir para a prática de crimes internacionais;

29. Manifesta a sua profunda preocupação com os efeitos colaterais da utilização de armas explosivas em hospitais, escolas, água, eletricidade e abrigos, que estão a afetar milhões de palestinianos;

30. Condena o lançamento de foguetes contra zonas civis israelitas, causando perdas de vidas e ferimentos, e apela ao fim de todas as acções de militantes e grupos armados que sejam contrárias ao direito internacional;

31. Condena igualmente os ataques contra civis, incluindo os perpetrados em 7 de outubro de 2023, e exige a libertação imediata de todos os reféns restantes, das pessoas arbitrariamente privadas de liberdade e das vítimas de desaparecimento forçado, e que seja garantido o acesso humanitário imediato aos reféns e detidos, em conformidade com o direito internacional;

32. Apela a todos os Estados para que respeitem o direito internacional e a todas as Altas Partes Contratantes da Quarta Convenção de Genebra para que respeitem e assegurem o respeito do direito humanitário internacional no Território Palestiniano Ocupado, incluindo Jerusalém Oriental, em conformidade com o artigo 1º comum às Convenções de Genebra, e para que cumpram as suas obrigações nos termos dos artigos 146º, 147º e 148º da Quarta Convenção de Genebra no que se refere às sanções penais, às violações graves e às responsabilidades das Altas Partes Contratantes

33. Insta todos os Estados a continuarem a prestar assistência de emergência, incluindo ajuda humanitária e ajuda ao desenvolvimento, ao povo palestiniano, a fim de atenuar a crise financeira e a terrível situação socioeconómica e humanitária, em particular na Faixa de Gaza, salienta o papel vital da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente na prestação de serviços básicos e necessários a milhões de palestinianos na região, e apela a todos os Estados para que assegurem que a Agência receba um financiamento previsível, sustentado e adequado para cumprir o seu mandato;

34. Apela ao fim de todas as actuais políticas de assédio, ameaças, intimidação e represálias, privação de liberdade e expulsão contra defensores dos direitos humanos, jornalistas, trabalhadores dos meios de comunicação social e agentes da sociedade civil que defendem pacificamente os direitos do povo palestiniano, nomeadamente trabalhando com os organismos das Nações Unidas responsáveis pelos direitos humanos, apela à sua proteção e salienta a necessidade de investigar todos esses actos e de assegurar a responsabilização e a existência de vias de recurso eficazes

35. Manifesta a sua preocupação com a disseminação de desinformação e propaganda, nomeadamente na Internet, que podem ser concebidas e implementadas para induzir em erro, constituir uma violação dos direitos humanos, incluindo o direito à liberdade de expressão, difundir o ódio, o racismo, a xenofobia, os estereótipos negativos ou a estigmatização e incitar à violência, à discriminação e à hostilidade, e salienta o importante contributo dos jornalistas para contrariar esta tendência;

36. Exorta Israel a revogar qualquer designação infundada de organizações palestinianas humanitárias e de defesa dos direitos humanos como organizações terroristas ou ilegais e a abster-se de utilizar as leis antiterrorismo para minar a sociedade civil e o seu valioso trabalho e contributo para a responsabilização;

37. Afirma que as restrições indevidas impostas pelos Estados a protestos pacíficos e à sociedade civil que trabalha para proteger os direitos humanos e defende o respeito pelo direito internacional no contexto do ataque militar a Gaza violam as obrigações dos Estados ao abrigo do direito internacional;

38. Manifesta a sua profunda preocupação com as condições de vida dos prisioneiros e detidos palestinianos, incluindo menores, nas prisões e centros de detenção israelitas, bem como com o recurso continuado à detenção administrativa, e apela a Israel para que proíba expressamente a tortura, incluindo a tortura psicológica e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, a respeitar e a cumprir plenamente as obrigações que lhe incumbem por força do direito internacional para com todos os prisioneiros e detidos palestinianos sob a sua custódia, nomeadamente garantindo-lhes o acesso a cuidados médicos; a aplicar integralmente o acordo alcançado em maio de 2012 para realizar prontamente uma investigação independente de todos os casos de morte sob custódia; e a libertar imediatamente todos os prisioneiros palestinianos, incluindo os legisladores palestinianos, detidos em violação do direito internacional;

39. Exige que Israel ponha termo à sua política de transferência de prisioneiros do Território Palestiniano Ocupado para o território de Israel e respeite plenamente as suas obrigações nos termos do artigo 76;

40 . reafirma que as crianças devem ser objeto de um respeito especial e devem ser protegidas contra qualquer forma de atentado ao pudor; salienta que qualquer prisão, detenção ou processo judicial contra crianças palestinianas por parte de Israel constitui uma violação da Convenção sobre os Direitos da Criança, e observa que a política israelita de instaurar processos penais contra crianças em tribunais militares é ilegal e está muito aquém de fornecer as garantias necessárias de respeito pelos seus direitos e viola o seu direito à não discriminação

41. Salienta a necessidade de que todos os responsáveis por violações do direito internacional humanitário e dos direitos humanos respondam pelos seus actos através de mecanismos de justiça penal nacionais ou internacionais adequados, imparciais e independentes, e de que todas as vítimas beneficiem de um recurso efetivo, incluindo a reparação integral, e salienta a necessidade de serem tomadas medidas práticas para alcançar estes objectivos, a fim de fazer justiça a todas as vítimas e contribuir para a prevenção de futuras violações e crimes internacionais;

42. Convida a Assembleia Geral a recomendar ao Governo da Suíça, na qualidade de depositário da Quarta Convenção de Genebra, que convoque sem demora a Conferência das Altas Partes Contratantes na Quarta Convenção de Genebra sobre as Medidas de Aplicação da Convenção nos Territórios Palestinianos Ocupados, incluindo Jerusalém Oriental, e assegurar o seu respeito, em conformidade com o artigo 1.º comum às quatro Convenções de Genebra, tendo em conta a declaração adoptada pela Conferência das Altas Partes Contratantes em 15 de julho de 1999 e as declarações adoptadas pela Conferência em 5 de dezembro de 2001 e 17 de dezembro de 2014;

43. Solicita à Comissão Internacional de Investigação Independente sobre os Territórios Palestinianos Ocupados, incluindo Jerusalém Oriental, e Israel que apresente um relatório sobre a transferência ou venda, direta ou indireta, de armas, munições, peças, componentes e bens de dupla utilização a Israel, a potência ocupante, em particular os que foram utilizados durante a operação militar israelita em Gaza desde 7 de outubro de 2023, analisar as consequências jurídicas de tais transferências, aplicando o direito internacional humanitário, o direito internacional consuetudinário relativo à responsabilidade do Estado e o Tratado sobre o Comércio de Armas, se for caso disso, e apresentar o seu relatório ao Conselho dos Direitos do Homem na sua quinquagésima nona sessão;

44. Solicita ao Secretário-Geral que, tendo em conta a dimensão sem precedentes dos crimes e das violações, assegure a disponibilização de todos os recursos adicionais, incluindo recursos voluntários, para permitir que a Comissão de Inquérito cumpra o seu mandato, em particular os conhecimentos especializados em matéria de investigação e divulgação, bem como nos domínios da análise jurídica e da recolha de provas;

45. Solicita ao Gabinete do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos que coloque no seu gabinete no Território Palestiniano Ocupado o pessoal, os conhecimentos especializados e a logística adicionais necessários para documentar as violações dos direitos humanos internacionais e do direito humanitário cometidas no Território Palestiniano Ocupado, incluindo Jerusalém Oriental, e para exigir responsabilidades;

46. solicita ao Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos que apresente ao Conselho, na sua quinquagésima oitava sessão, um relatório sobre a aplicação da presente resolução, a que se seguirá um diálogo interativo

47. Decide continuar a ocupar-se deste assunto.

A resolução foi adoptada com 28 votos a favor, 13 abstenções e 6 votos contra (Argentina, Bulgária, Alemanha, Malawi, Paraguai, EUA).

2.5. Caso África do Sul contra a liderança israelita no TPI

Em 2018, a Palestina apresentou os crimes cometidos nos Territórios Ocupados desde 13 de junho de 2014 ao Gabinete do Procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI). O OTP iniciou uma investigação, no contexto da qual solicitou à Câmara de Pré-Julgamento I um parecer sobre a “jurisdição territorial” do TIJ e esta Câmara, na sua decisão de fevereiro de 2021, concluiu, por maioria, que sim, a “jurisdição territorial” do TIJ estende-se à Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, e a Gaza. Em março de 2021, o Gabinete do Procurador anunciou a abertura de investigações.

Em 17 de novembro de 2023, cinco países liderados pela África do Sul apresentaram um pedido ao TPO para alargar as suas investigações a Gaza a partir de 7/10/2023, à semelhança do pedido apresentado pelo Chile e pelo México em 18/01/2024.

Em 20 de maio de 2024, o Procurador-Geral do TPI, Karim Khan, solicitou a emissão de mandados de detenção para o Primeiro-Ministro israelita Benjamin Netanyahu e o seu Ministro da Defesa Yoav Gallant, bem como para três líderes do Hamas: Yahya Sinwar, Mohamed Diab Ibrahim Al-Masri e Ismail Haniyah.

2.6. África do Sul contra Israel Processo do TIJ: Convenção sobre o Genocídio

2.6.1. A África do Sul solicitou nove medidas provisórias

Neste contexto de total desespero perante os obstáculos que os Estados Unidos estavam a colocar a um cessar-fogo permanente, a África do Sul, um país que, tal como os palestinianos, também viveu o apartheid em primeira mão, apresentou um processo contra Israel em 29 de dezembro de 2023 junto do TIJ em relação à Convenção sobre o Genocídio, da qual ambos os países são partes. O processo chama-se formalmente África do Sul v. Israel: Convenção sobre o Genocídio. O pedido sul-africano procura obter nove medidas provisórias de proteção para a população civil de Gaza. Dada a urgência, o TIJ convocou as partes para uma audiência pública sobre as medidas provisórias em 11 e 12 de janeiro e emitiu um primeiro despacho sobre essas medidas em 26 de janeiro.

Particularmente chocantes são as alegações contidas no parágrafo 114 do relatório sul-africano, que descreve diferentes rubricas da punição colectiva a que Israel está a sujeitar a população de Gaza:

(1) matar palestinianos em Gaza, incluindo uma grande proporção de mulheres e crianças – que se estima representarem cerca de 70% das mais de 21.110 vítimas mortais – algumas das quais parecem ter sido executadas sumariamente;

(2) causando graves danos mentais e corporais aos palestinianos em Gaza, nomeadamente através de mutilações, traumas psicológicos e tratamentos desumanos e degradantes

(3) provocando a evacuação e a deslocação forçadas de cerca de 85% dos palestinianos em Gaza – incluindo crianças, idosos e doentes, e doentes e feridos – bem como a destruição em grande escala de casas, aldeias, campos de refugiados, cidades e zonas inteiras de Gaza, impedindo o regresso de uma proporção significativa do povo palestiniano às suas casas

(4) provocando a fome, a desidratação e a inanição generalizadas dos palestinianos sitiados em Gaza, ao impedir a prestação de assistência humanitária suficiente, ao cortar o abastecimento de água, alimentos, combustível e eletricidade, e ao destruir padarias, moinhos, terrenos agrícolas e outros meios de produção e de subsistência

(5) não fornecer e restringir o fornecimento de abrigo, vestuário, higiene ou saneamento adequados aos palestinianos em Gaza, incluindo os 1,9 milhões de pessoas deslocadas internamente, forçadas pelas acções de Israel a viver em situações perigosas de miséria, juntamente com o ataque e a destruição sistemáticos de locais de refúgio e o assassínio e ferimento das pessoas que se refugiam, incluindo mulheres, crianças, deficientes e idosos

(6) A incapacidade de satisfazer ou garantir as necessidades médicas dos palestinianos em Gaza, incluindo as necessidades médicas criadas por outros actos genocidas que causam lesões corporais graves, nomeadamente atacando diretamente hospitais, ambulâncias e outras instalações de saúde palestinianas em Gaza, matando médicos, clínicos e enfermeiros palestinianos, incluindo os médicos mais qualificados de Gaza, e destruindo e desactivando o sistema médico de Gaza; e

(7) A destruição da vida palestiniana em Gaza, através da destruição de universidades, escolas, tribunais, edifícios públicos, registos públicos, armazéns, bibliotecas, igrejas, mesquitas, estradas, infra-estruturas, serviços de utilidade pública e outras instalações necessárias para a vida sustentada dos palestinianos em Gaza enquanto grupo, juntamente com o assassinato de grupos familiares inteiros – apagando histórias orais inteiras em Gaza – e o assassinato de membros proeminentes e distintos da sociedade.

(8) A imposição de medidas destinadas a impedir os nascimentos de palestinianos em Gaza, através da violência reprodutiva infligida a mulheres, recém-nascidos, bebés e crianças palestinianos.

As nove medidas provisórias solicitadas pela África do Sul, descritas no parágrafo 144 da petição da África do Sul, eram as seguintes

1. O Estado de Israel deve suspender imediatamente as suas operações militares em Gaza e contra Gaza.

2. O Estado de Israel deve assegurar que qualquer unidade militar ou armada irregular que possa ser dirigida, apoiada ou influenciada por ele, bem como qualquer organização ou pessoa que possa estar sujeita ao seu controlo, direção ou influência, não actue em prol das operações militares referidas em (1) acima.

3. A República da África do Sul e o Estado de Israel, em conformidade com as obrigações que lhes incumbem por força da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, tomarão, em relação ao povo palestiniano, todas as medidas razoáveis ao seu alcance para evitar o genocídio.

4. O Estado de Israel, de acordo com as obrigações que lhe incumbem por força da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, em relação ao povo palestiniano enquanto grupo protegido pela Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, deverá abster-se de cometer todo e qualquer ato abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo II da Convenção, nomeadamente

(a) Matar membros do grupo;

(b) causar lesões corporais ou mentais graves a membros do grupo

(c) impor deliberadamente ao grupo condições de vida calculadas para provocar a sua destruição física, total ou parcial; e

(d) impor medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo.

5. O Estado de Israel deverá, nos termos da alínea c) do nº 4, em relação aos palestinianos, desistir e tomar todas as medidas ao seu alcance, incluindo a revogação das ordens, restrições e/ou proibições pertinentes, para impedir

(a) a expulsão e a deslocação forçada das suas casas;

(b) a privação de:

(i) do acesso a alimentos e água adequados;

(ii) do acesso à assistência humanitária, incluindo o acesso a combustível, abrigo, vestuário, higiene e saneamento adequados

(iii) de material e assistência médica; e

(c) A destruição da vida dos palestinianos em Gaza.

6. O Estado de Israel, em relação aos palestinianos, assegurará que as suas forças armadas, bem como quaisquer unidades armadas irregulares ou indivíduos que possam ser por ele dirigidos, apoiados ou de outro modo influenciados, e quaisquer organizações e indivíduos que possam estar sujeitos ao seu controlo, direção ou influência, não cometam qualquer dos actos descritos nos pontos 4 e 5 supra, nem se envolvam em incitamento direto e público à prática de genocídio, conspiração para cometer genocídio, tentativa de genocídio ou cumplicidade em genocídio e, na medida em que sejam cometidos, sejam tomadas medidas para os punir em conformidade com os artigos I, II, III e IV da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio.

7. O Estado de Israel tomará medidas eficazes para impedir a destruição e assegurar a preservação de provas relacionadas com alegações de actos abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo II da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio; para o efeito, o Estado de Israel não agirá no sentido de negar ou restringir de qualquer outra forma o acesso a Gaza das missões de inquérito, dos mandatos internacionais e de outras agências, a fim de ajudar a assegurar a preservação e a conservação dessas provas.

8. O Estado de Israel apresentará ao Tribunal um relatório sobre todas as medidas adoptadas para dar cumprimento ao presente despacho no prazo de uma semana a contar da data do mesmo e, posteriormente, com a regularidade que o Tribunal determinar, até que o Tribunal profira uma decisão final sobre o caso.

9. O Estado de Israel abster-se-á de qualquer ação e assegurará que não seja tomada qualquer ação que possa agravar ou alargar o litígio perante o Tribunal ou tornar mais difícil a sua resolução.

2.6.2. A África do Sul apresentou a sua posição em 11 de janeiro de 2024

O advogado sul-africano Tembeka Ngcukaitobi apresentou talvez a parte mais crucial: a intenção genocida de Israel.

Em relação à jurisdição prima facie do TIJ, uma parte defendida pelo idoso professor sul-africano de direito internacional John Dugard, baseou-se no facto de tanto a África do Sul como Israel serem partes na Convenção de Genebra contra o Genocídio (uma convenção curta com apenas 16 artigos) e de nenhum dos dois ter feito reservas ao Artigo IX (Art. 9) dessa Convenção que diz: “Os diferendos entre as Partes Contratantes relativos à interpretação, aplicação ou execução da presente Convenção, incluindo os diferendos relativos à responsabilidade de um Estado por genocídio ou por qualquer dos outros actos enumerados no Artigo III, deverão, a pedido de uma das Partes no diferendo, ser submetidos ao Tribunal Internacional de Justiça”.

Após ter constatado este facto, a advogada irlandesa-britânica Blinne Ni Ghrálaigh, numa intervenção impecável em que pôs números à barbárie (a guerra que Israel leva a cabo todos os dias está a matar 117 crianças, 3 profissionais de saúde, 2 professores, 1 funcionário da ONU e 1 jornalista), está a deixar 629 pessoas feridas; 39 pessoas feridas e 39 pessoas feridas; deixa 629 pessoas feridas; 3900 casas danificadas ou destruídas; ), justificou a urgência das medidas provisórias pelo grande risco de danos irreparáveis (prejuízo irreparável) para a população palestiniana, caso estas medidas não fossem aprovadas. Acrescentou que “se as medidas provisórias se justificam no caso Qatar contra Emirados Árabes Unidos, onde as pessoas foram obrigadas a abandonar o seu local de residência e cerca de 150 estudantes não puderam fazer os seus exames, como não se justificam em Gaza, onde 625.000 estudantes não podem frequentar as aulas há três meses; 90.000 estudantes universitários não podem frequentar as aulas; e centenas de professores foram mortos, o que destrói o futuro…”. Por último, evocou o caso Congo contra Uganda, no qual o TIJ declarou que o facto de a situação ocorrer num contexto de conflito armado não prejudica as medidas provisórias. Nem um simples aumento da ajuda humanitária evitaria danos irreparáveis, como o TIJ considerou no processo Arménia contra Azerbaijão. O problema, como salientou a ONU, é que “a forma como Israel está a conduzir as operações militares não permite a distribuição de ajuda humanitária, ninguém está seguro em lado nenhum. Se Israel não puser termo aos seus ataques militares, a terrível situação em que se encontra a população civil de Gaza não terminará e esta correrá o risco de sofrer danos irreparáveis. E a Convenção sobre o Genocídio é muito mais do que um procedimento legal, é, antes de mais, a confirmação e a aprovação dos princípios básicos da moralidade”. E apesar dos reconhecimentos teóricos contidos na Convenção, a comunidade internacional falhou com os povos do Ruanda, da Bósnia e dos Rohingya, que pediram ao TIJ que tomasse uma atitude. E falhou com os palestinianos ao ignorar os avisos de potencial genocídio que os peritos internacionais começaram a emitir a 19 de outubro.

O advogado britânico Vaughan Lowe explicou detalhadamente porque é que a África do Sul não podia ir contra o Hamas ao abrigo da Convenção sobre o Genocídio e insistiu nas razões pelas quais todas as operações militares devem cessar; que, embora existissem excepções à aplicação da Convenção, esperava que não fossem defendidas pelo TIJ; que o exercício do direito de auto-defesa não pode justificar nem ser uma defesa do genocídio; e que os compromissos unilaterais de Israel não são suficientes e podem levar a consequências tão terríveis que devem ser ignorados.

2.6.3. Israel definiu a sua posição em 12 de janeiro de 2024

Israel sublinhou constantemente o carácter terrorista do Hamas (sem mencionar que foi Israel quem primeiro criou e fortaleceu o Hamas); a vontade do Hamas de destruir Israel (sem mencionar uma única palavra de que isto está ligado às violações sistemáticas e sustentadas de Israel ao longo do tempo dos direitos humanos do povo palestiniano); e que a África do Sul não tinha conseguido demonstrar nem a intenção nem a jurisdição prima facie e tinha apresentado os factos de forma confusa.

Israel também desculpou as declarações de membros superiores das Forças de Defesa de Israel ( IDF ), segundo as quais os animais palestinianos tinham de ser mortos, como sendo devidas ao descontentamento com os acontecimentos de 7 de outubro; e insistiu que a IAF tinha uma unidade, unidade, unidade e unidade de objectivos: que a IAF tinha uma unidade, COGAT, que estava a distribuir alimentos, que tinha apoiado a abertura de sete padarias; que tinha coordenado o envio de água engarrafada, 4 hospitais de campanha e 2 carros alegóricos; que o fornecimento de gasóleo e de gás natural nunca foi interrompido (quando a ONU o tem denunciado desde o início); que todas as medidas provisórias pedidas pela África do Sul, numa tentativa de desmantelar um a um os casos jurisprudenciais apresentados pela parte sul-africana, devem ser recusadas; e que este caso deve ser eliminado da lista. Em suma, a narrativa israelita tinha muito poucos argumentos jurídicos convincentes. Por muito que Israel tenha repetido ao longo do seu discurso de três horas que “Israel tem estado firmemente empenhado em respeitar o direito internacional desde a criação do Estado de Israel”, o facto de não ter cumprido nenhuma das resoluções da AGNU ou do Conselho de Segurança da ONU que exigem a salvaguarda das vidas dos civis palestinianos fala por si.

No dia seguinte à audição pública em que Israel participou, a 13 de janeiro de 2024, o Primeiro-Ministro israelita Benjamin Netanyahu já tinha dito publicamente que, independentemente do que a Haia (em referência ao TIJ) dissesse, ele continuaria a guerra…. Parece que ele, como bom sionista, pouco se importa com o destino das 136 pessoas ainda detidas pelo Hamas, não porque o Hamas lhes possa fazer mal (as pessoas que foram libertadas durante a única pausa humanitária até agora confirmaram que os grupos armados palestinianos as tinham tratado bem), mas porque os níveis de guerra são tais que é provavelmente quase impossível para os grupos armados palestinianos protegerem essas 136 pessoas dos bombardeamentos israelitas.

Em 9 de janeiro de 2023, mais de 600 israelitas enviaram uma carta ao TIJ manifestando o seu apoio ao caso sul-africano, afirmando que o governo israelita está a tomar “medidas sistemáticas para aniquilar, matar à fome, maltratar e deslocar a população de Gaza”.

2.6.4. O TIJ emite ordem de medidas provisórias em 26 de janeiro de 2024

Em 26 de janeiro de 2024, o TIJ emitiu uma ordem na qual, especificamente no seu parágrafo 54, afirmava que: “Na opinião do Tribunal, os factos e circunstâncias acima referidos são suficientes para concluir que pelo menos alguns dos direitos reivindicados pela África do Sul e para os quais procura proteção são plausíveis. É o caso do direito dos palestinianos de Gaza a serem protegidos contra actos de genocídio e actos proibidos conexos identificados no artigo III, e do direito da África do Sul a procurar que Israel cumpra as obrigações que lhe incumbem por força da Convenção.”

Com base nesta plausibilidade de genocídio, o TIJ emitiu seis medidas provisórias, não incluindo a suspensão das operações militares. Especificamente, o TIJ ordenou que:

1. O Estado de Israel, de acordo com as suas obrigações ao abrigo da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, em relação aos palestinianos em Gaza, deve tomar todas as medidas ao seu alcance para impedir a prática de todos os actos abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo II desta Convenção, em particular

(a) matar membros do grupo;

(b) Causar lesões corporais ou mentais graves a membros do grupo

(c) infligir deliberadamente ao grupo condições de vida calculadas para provocar a sua destruição física total ou parcial; e

(d) Impor medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;

2. O Estado de Israel assegurará, com efeito imediato, que o seu exército não cometa nenhum dos actos descritos no ponto 1 supra;

3. O Estado de Israel tomará todas as medidas ao seu alcance para prevenir e punir o incitamento direto e público ao genocídio de membros do grupo palestiniano na Faixa de Gaza;

4. O Estado de Israel tomará medidas imediatas e eficazes para permitir a prestação dos serviços básicos e da assistência humanitária urgentemente necessários para fazer face às condições de vida adversas enfrentadas pelos palestinianos na Faixa de Gaza; 5;

5. O Estado de Israel tomará medidas eficazes para impedir a destruição e assegurar a preservação das provas relacionadas com as alegações de actos abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo II e do artigo III da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio contra membros do grupo palestiniano na Faixa de Gaza; 6;

6. O Estado de Israel deve apresentar um relatório ao Tribunal sobre todas as medidas adoptadas para dar efeito ao presente despacho no prazo de um mês a contar da data do presente despacho.

2.6.5. A África do Sul solicitou medidas adicionais em 12 de fevereiro e o TIJ emitiu uma decisão em 16 de fevereiro

Na sequência do anúncio de Israel, em 9 de fevereiro, de que tencionava lançar operações militares em grande escala em Rafah, a África do Sul apresentou um pedido de medidas adicionais em 12 de fevereiro e Israel apresentou observações em 15 de fevereiro.

Em 16 de fevereiro, o TIJ informou as partes da sua decisão de que o seu despacho de 26 de janeiro se aplicava a toda a Faixa de Gaza, incluindo Rafah, e que não eram necessárias medidas adicionais.

2.6.6. A África do Sul solicitou medidas adicionais em 6 de março e o TIJ emitiu um despacho em 28 de março

Face à fome generalizada em Gaza, a África do Sul voltou a solicitar medidas adicionais em 6 de março e Israel apresentou observações em 15 de março.

Em 28 de março, o TIJ emitiu um novo despacho com três medidas provisórias:

1 . reafirma as medidas provisórias indicadas no seu despacho de 26 de janeiro de 2024;

2. indica as seguintes medidas provisórias: O Estado de Israel, de acordo com as suas obrigações ao abrigo da Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, e tendo em conta o agravamento das condições de vida enfrentadas pelos palestinianos em Gaza, em particular a propagação da fome e da inanição:

(a) Tomar todas as medidas necessárias e eficazes para assegurar, sem demora, em plena cooperação com as Nações Unidas, a prestação em larga escala e sem entraves, por todas as partes interessadas, dos serviços básicos e da assistência humanitária urgentemente necessários, incluindo alimentos, água, eletricidade e combustível. abrigos, vestuário, higiene e saneamento, bem como fornecimentos e cuidados médicos aos palestinianos em toda a Faixa de Gaza, nomeadamente aumentando a capacidade e o número de pontos de passagem terrestres e mantendo-os abertos durante o tempo necessário;

(b) Garantir, com efeitos imediatos, que as suas forças armadas não cometam actos que constituam uma violação dos direitos dos palestinianos em Gaza enquanto grupo protegido ao abrigo da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, nomeadamente impedindo, através de qualquer ação, a prestação da assistência humanitária urgentemente necessária;

3. Decide que o Estado de Israel deve apresentar um relatório ao Tribunal sobre todas as medidas adoptadas para dar efeito ao presente despacho, no prazo de um mês a contar da data do presente despacho.

O comunicado de imprensa que acompanha o despacho sublinha que este temefeito vinculativo.

2.6.7. O TIJ fixou as datas para a apresentação de observações escritas

Num despacho emitido em 5 de abril, o TIJ concede à África do Sul um prazo até 28 de outubro de 2024 para apresentar as suas alegações escritas (memorial) e a Israel um prazo até 28 de julho de 2025 para apresentar as suas alegações escritas (contra-memorial).

2.6.8. A África do Sul solicitou medidas adicionais em 10 de maio e o TIJ emitiu um despacho em 24 de maio

Confrontada com a entrada das tropas israelitas em Rafah, a África do Sul apresentou um pedido urgente de medidas adicionais em 10 de maio. Em 16 de maio, a África do Sul expôs o seu pedido numa sessão pública, solicitando a suspensão imediata das operações militares israelitas em Rafah e Gaza; o acesso de ajuda humanitária e de pessoal para a sua distribuição; o acesso de comissões de inquérito aos crimes cometidos; e o acesso de jornalistas para obter provas dos crimes. Em 17 de maio, Israel interveio, rejeitando o pedido de medidas adicionais.

Em 24 de maio, o TIJ emitiu um novo despacho declarando que a intervenção terrestre de Israel em Rafah, a partir de 7 de maio, tinha agravado seriamente a situação em Gaza e, por conseguinte

1 ) Reafirma as medidas provisórias indicadas nos seus despachos de 26 de janeiro de 2024 e 28 de março de 2024, que devem ser aplicadas imediata e eficazmente;

2. indica as seguintes medidas provisórias: O Estado de Israel, em conformidade com as suas obrigações nos termos da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, e tendo em conta o agravamento das condições de vida dos civis na província de Rafah

(a) Suspender imediatamente a sua ofensiva militar e quaisquer outras acções na província de Rafa, que possam infligir ao grupo palestiniano em Gaza condições de vida susceptíveis de conduzir à sua destruição física total ou parcial;

(b) Manter aberta a passagem de Rafa para a prestação, sem entraves, de serviços básicos e de assistência humanitária urgentemente necessários;

(c) Tomar medidas eficazes para garantir o acesso sem entraves à Faixa de Gaza de qualquer comissão de inquérito, missão de apuramento dos factos ou outro órgão de investigação mandatado pelos órgãos competentes das Nações Unidas para investigar alegações de genocídio;

3. Decide que o Estado de Israel deve apresentar um relatório ao Tribunal sobre todas as medidas adoptadas para dar efeito ao presente despacho, no prazo de um mês a contar da data do presente despacho.

2.6.9. Outros países solicitaram autorização para intervir em apoio da África do Sul

A Nicarágua solicitou ao TIJ, em 23 de janeiro de 2024, autorização para intervir; a Colômbia, em 5 de abril; a Líbia, em 10 de maio; o México, em 24 de maio; a Palestina, em 3 de junho; e a Espanha, em 28 de junho.

2.6.10. A decisão só poderá ser tomada em 2029 ou 2030

A evolução do processo pode ser seguida no sítio Web do TIJ.

É muito difícil prever quando será proferidoo acórdão sobre o mérito. Embora não existam dois processos judiciais iguais, os prazos de um processo também por genocídio, Gâmbia v Myanmar, na sequência do genocídio em Myanmar em 2017 contra a minoria muçulmana Rohingya, que a Gâmbia apresentou ao TIJ em novembro de 2019, podem dar uma ideia aproximada dos prazos de um processo por genocídio. Assim, a Gâmbia iniciou o processo em 29/11/2019, no qual também solicitou medidas provisórias. As audiências públicas sobre estas medidas tiveram lugar em dezembro de 2019.

O TIJ emitiu o seu despacho de medidas provisórias em 23/01/2020. No mesmo dia, fixou uma data para o memorial da Gâmbia (23/07/2020) e para o contra-memorial de Myanmar (25/01/2021). Na sequência do pedido de prorrogação de prazo apresentado pela Gâmbia, o TIJ prorrogou os prazos para 23/10/2020 e 23/07/2021.

A Gâmbia apresentou o seu memorial dentro do prazo alargado. Em 20/01/2021, Myanmar apresentou objecções preliminares que levaram à suspensão do julgamento sobre o mérito, e sobre as quais o TIJ se pronunciou por acórdão de 22/07/2022 no sentido de afirmar que o TIJ tinha competência neste caso e que, por conseguinte, o pedido da Gâmbia era admissível, tendo fixado um novo prazo de 24/04/2023 para o contra-memorial de Myanmar. Após dois pedidos sucessivos da Myamar para prorrogar o prazo até 22/08/2023, a Myamar apresentou o seu contra-memorial dentro do prazo.

Na audiência de 26/09/2023, a Gâmbia solicitou 7 meses para preparar uma resposta ao contra-memorial de Myanmar. O TIJ fixou o prazo de 16/05/2024 para a resposta da Gâmbia e de 16/12/2024 para a contrarresposta de Myanmar.

Paralelamente, em 15/11/2023, seis países (Canadá, Dinamarca, França, Alemanha, Países Baixos e Reino Unido) solicitaram conjuntamente a sua participação no processo, tal como as Maldivas.

Em dezembro de 2024, terão decorrido mais de cinco anos sem que tenha sido proferido um acórdão sobre o mérito, e o acórdão sobre o mérito será ainda proferido algum tempo (um ou dois anos?) após a receção da contrarresposta, pelo que o acórdão sobre o mérito poderá não estar pronto antes de 2025 ou 2026.

O acórdão sobre o méritono processo deGaza, se seguir uma linha semelhante à do processo Gâmbia/Mianmar para os Rohingyas, poderá não estar pronto antes de 2029 ou 2030.

3. Apreciação

Israel, com a sua posição de força política, militar e informativa e a sua poderosa máquina de guerra, tirou a vida a dezenas de milhares de civis palestinianos, com um custo muito limitado, tanto em termos de vidas israelitas como de outras vidas (por exemplo, a migração inversa de 550 000 israelitas de Israel para os países de dupla nacionalidade, de outubro de 2023 a abril de 2024).

Embora o TIJ não emita uma decisão durante vários anos, já se pronunciou sobre a plausibilidade do genocídio e, por conseguinte, emitiu várias ordens de medidas provisórias.

Infelizmente, as declarações, resoluções e medidas provisórias adoptadas pelos vários órgãos da ONU (SGNU, AGNU, CSNU, CDHNU, TIJ) ou pelo TPI não conseguiram pôr termo às operações militares israelitas, nem obrigar Israel a permitir a passagem e a distribuição segura de ajuda humanitária suficiente. Israel não cumpriu nenhuma destas medidas porque continua a gozar de impunidade devido à proteção excessiva dos EUA e, embora como potência ocupante, Israel não esteja sujeito ao artigo 51º da Carta das Nações Unidas sobre a autodefesa, continua a invocá-lo.

Há duas medidas que ainda não foram articuladas e que contribuíram para a resolução de conflitos no passado, mas que exigem a aprovação do Conselho de Segurança da ONU e seriam vetadas pelos EUA:

  1. Sanções económicas. Embora a economia israelita tenha sofrido uma contração de 19% no último trimestre de 2023, recuperou em 2024.
  2. Embargo de armas. Israel lançou 70.000 toneladas de bombas em Gaza desde outubro de 2023 até abril deste ano. Há meses que os peritos da ONU pedem este embargo, uma vez que Israel viola claramente o Tratado sobre o Comércio de Armas (TCA), que proíbe a venda de armas quando existe uma suspeita fundamentada de genocídio.

Fora do quadro da ONU, os países árabes exportadores de hidrocarbonetos poderiam articular um embargo de petróleo e gás aos EUA e aos países que apoiam Israel, a fim de o obrigar a pôr termo à guerra. No entanto, embora estes países árabes tenham implementado com êxito um embargo petrolífero em 1973, a situação é agora muito diferente e é pouco provável que estejam dispostos a implementá-lo ou, se o implementassem, que tivesse um verdadeiro efeito dissuasor, uma vez que a dependência dos países ocidentais em relação aos hidrocarbonetos árabes é muito menor.

Por último, gostaria de recordar que uma parte significativa da comunidade judaica apoiou incansavelmente o cessar-fogo; e os estudiosos judeus do Holocausto criticaram as autoridades israelitas por utilizarem indevidamente o Holocausto no contexto da guerra de Gaza.

Em conclusão, a ONU não tem capacidade para travar guerras que envolvam, direta ou indiretamente, países com poder de veto no Conselho de Segurança da ONU. O sistema atual não funciona. Para que funcione, a ONU tem de ser reformada e os direitos de veto dos seus actuais cinco membros permanentes têm de ser retirados. No entanto, os artigos 108º e 109º da Carta das Nações Unidas (que estabelecem os mecanismos para reformar a organização) exigem a unanimidade dos cinco membros permanentes para qualquer reforma.

E dado que estes cinco países nunca abdicarão do seu direito de veto por sua própria vontade, para que o sistema funcione serão necessárias dinâmicas inovadoras, lideradas pelas sociedades civis mundiais que exijam essa mudança. Pensamento desejoso (wishful thinking)? Talvez, mas a alternativa é continuar como antes: a encher páginas de boas intenções enquanto milhares de seres humanos sofrem e morrem.

Esperemos que o enorme sofrimento que foi e continua a ser sentido em Gaza, na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, bem como o sofrimento que foi e continua a ser sentido pelas famílias dos reféns e pelas famílias dos soldados israelitas falecidos, sirvam para alterar a dinâmica e as regras do atual jogo político em Israel, na Palestina e entre Israel e a Palestina. A liderança sionista de Israel continua empenhada no seu objetivo clandestino do Grande Israel e, por conseguinte, nunca permitirá a existência de um Estado palestiniano viável. Esta situação tem de mudar. O povo palestiniano tem o mesmo direito que o povo israelita a viver com dignidade, justiça, paz, democracia e respeito por toda a gama dos seus direitos humanos. Esperemos que consigamos isso e esperemos que o consigamos em breve.

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